O acne vulgar é, provavelmente, a mais frequente doença da pele, que afecta 85 a 100 % da população a qualquer momento das suas vidas.. É caracterizado por pápulas foliculares não inflamatórias ou comedões e por pápulas inflamatórias, pústulas e nódulos nas suas mais severas formas.
O acne tem habitualmente um efeito psicológico de curto prazo mas com potencialidade de se manter e que pode tornar-se grave. Não tratado o acne severo ou nódulo-quístico pode dar origem a cicatrizes inestéticas ou mesmo desfigurantes, as quais são difíceis de tratar.
A acne é doença tão comum que poderemos dizer que é quase universal durante a adolescência. Doze por cento das mulheres e 3% dos homens continuam com a afecção até aos 45 anos.
Trata-se de uma doença crónica do folículo pilossebáceo, que se desenrola habitualmente na adolescência sob influência hormonal própria da idade.
Os 4 factores fisiopatológicos primários são os seguintes:
1. Hiperplasia sebácea com correspondente hipersseborreia sob influência hormonal androgenética.
2. Anomalias na diferenciação e adesão queratinocitária a nível do folículo piloso, que condiciona entupimento do folículo e formação de comedões.
3. Colonização do folículo piloso por microorganismos principalmente o Propionibacterium acnes.
4. Reacção inflamatória/imunitária responsável pelas lesões inflamatórias.
CLÍNICA E CLASSIFICAÇÃO DA ACNE
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A acne é constituída por um conjunto de lesões, as quais, isoladas ou em conjunto, definem o tipo e gravidade da acne.
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Comedão – Que pode ser fechado – microquisto e aberto “ponto negro”.
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Pápula – eritema e edema em redor do comedão, com pequenas dimensões (até 3 mm);
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Pústula (ou “borbulha”) – por inflamação da pápula e com conteúdo purulento;
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Nódulo – pápula, de maiores dimensões, podendo atingir 2 cm;
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Quisto – grande comedão com conteúdo pastoso e caseoso;
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Cicatriz – depressão irregular coberta de pele atrófica
• Da associação destes tipos de lesões, do predomínio de cada uma delas, é possível definir 3 tipos básicos de acne:
comedónica, pápulo-pustulosa e nódulo-quística.
IMPACTO PSICO-SOCIAL DA ACNE
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A acne está sujeita aos ditames de todas as doenças cutâneas: forte impacto no indivíduo que se vê fortemente afectado no seu estado psicológico, actividades quotidianas e relações sociais. Concorrem para este facto duas ordens de factores: de índole interna como a imagem corporal e a auto-estima e de índole externa, como o estigma e a rejeição sociais de que estes doentes são vítimas, fruto de crenças, mitos e preconceitos que envolvem as doenças cutâneas (impureza, castigo, culpa, moral e conduta desviantes).
Em conclusão:
• A acne afecta os indivíduos que dela sofrem nos planos emocional, psicológico e relacional em grau semelhante ao verificado em outras doenças crónicas;
• Tem repercussões negativas no funcionamento social, incluindo taxas mais elevadas de insucesso escolar e de desemprego;
• A co-morbilidade psiquiátrica é particularmente significativa incluindo depressão e ansiedade;
• A avaliação clínica do impacto real da doença é difícil, exigindo uma relação médico-doente de qualidade e/ou a aplicação de questionários de qualidade de vida;
MITOS E REALIDADES
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Na sociedade actual, vários conceitos erróneos sobre a acne estão amplamente difundidos. Transmitem-se de pais para filhos, circulam entre amigos e colegas e são veiculados através de publicações não científicas.
Dieta
De uma maneira geral, a comunidade dermatológica não valoriza a relação entre a acne e alguns tipos de alimentos, como o chocolate, os frutos secos, os fritos e a fast-food. Nos últimos trinta anos, a ausência de estudos científicos credíveis sobre este assunto não permite, com segurança, afirmar ou refutar o efeito da dieta na etiologia ou agravamento da acne. No entanto, o contraste entre a prevalência desta patologia nas sociedades ocidentais comparada à das sociedades menos desenvolvidas sugere que o tipo global de dieta pode ser um factor a investigar.
Actividade Sexual/ Estilo de Vida
As alterações das hormonas sexuais próprias da puberdade estão implicadas na patogénese da acne, mas não a prática sexual. O estilo de vida do adolescente (discotecas, poucas horas de sono, falta de actividade ao ar livre) é muitas vezes invocado pelos pais e utilizado para penalizar estes comportamentos.
Período Menstrual
O diâmetro de abertura do folículo sebáceo diminui dois dias antes do início de período menstrual, condicionando a redução do fluxo do sebo para a superfície, o que pode explicar o agravamento pré-menstrual da acne. Este efeito parece ser mais frequente nas mulheres com mais de 33 anos .
Stress
Recentemente, dois estudos mostraram uma correlação fortemente positiva entre o agravamento da acne e a existência de níveis elevados de stress durante o período dos exames escolares.
Higiene e Cosméticos
Ainda persiste a ideia de que a acne está associada a higiene deficiente.
Os estudos existentes não permitem concluir sobre a influência da falta de higiene ou da utilização de produtos de limpeza específicos na evolução da acne. A utilização de hidratantes está indicada nos casos de secura cutânea ou irritação resultante dos tratamentos. O recurso, a maquilhagem e a técnicas de camuflagem, desde que os produtos sejam não comedogénicos e sem óleo, não está contra-indicado.
Exposição Solar
Apesar de alguns doentes referirem melhoria transitória das lesões da acne após exposição solar, não existe evidência científica convincente do benefício da radiação ultra-violeta. No entanto a experiência pessoal mostra que o acne melhora habitualmente no dorso mas não na face.
DIAGNÓSTICO DIFERENCIAL
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Embora a acne seja uma afecção, em regra, de fácil diagnóstico clínico, as diferentes formas – comedónica, pápulo-pustulosa, nódulo-quística – podem, pontualmente, suscitar algumas dificuldades diagnósticas que só médicos dermatologistas com grande experiência são capazes de ultrapassar.
ESTUDO HORMONAL NA ACNE
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Estando a acne sob influência hormonal androgénica, o estudo hormonal circunstanciado, sobretudo na mulher, apenas se justifica em determinadas situações, mas não na generalidade dos casos.
São indicações para se proceder a estudo hormonal:
• Início precoce ou tardio (>20-22 anos);
• Início súbito, sobretudo quando é intenso e não há história familiar;
• Acne resistente aos tratamentos convencionais;
• Acne recidivante;
• Agravamento pré-menstrual intenso;
• Existência de alterações hormonais, em especial oligomenorreia e amenorreia (regularidade menstrual não exclui anomalia adrenal);
• Menarca tardia (hiperplasia supra-renal);
• Esterilidade (disfunção ovárica);
• Co-existência de alopécia bitemporal ou do vertex;
• Co-existência de hirsutismo ou de outros sinais de virilização.
TRATAMENTO
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Introdução e consequências de não tratar a Acne
Quatro objectivos fundamentais são a base das diferentes terapêuticas utilizadas: controlar a hiperceratose de retenção, diminuir a produção de sebo, reduzir a população bacteriana e eliminar a inflamação.
Estas orientações permitem, de um modo geral, controlar todo o tipo de acne, evitar as recaídas, minimizar o sofrimento dos doentes e prevenir as sequelas da doença.
Dado a multiplicidade dos factores envolvidos o tratamento nunca pode ser idêntico, mas sempre desenhado para determinado indivíduo. Na realidade o sucesso de uma terapêutica num doente é, por vezes, o fracasso noutro. Por isso é necessária a intervenção de um especialista na associação de tratamentos tópicos, sistémicos e de procedimentos vários, e ainda de inúmeras subtilezas terapêuticas que vão desde a higiene à camuflagem.
TRATAMENTO TÓPICO
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Os tratamentos tópicos estão indicados nas formas leves a moderadas de acne ou como adjuvantes de terapêuticas sistémicas, nas formas mais graves.
Entre estes encontramos os retinóides tópicos; os antibióticos de utilização local; outros antimicrobianos de acção local dos quais o mais comum é o peróxido de benzoílo.
Cosméticos e Acne
Como já referido, os cosméticos devem ser considerados adjuvantes no tratamento da acne.
• Produtos de limpeza; Hidratantes à base de água – emulsões de óleo em água
• Hidratantes labiais, para compensar eventual queilite de retinóides;
• Emulsões ou cremes com moderado efeito queratolítico;
• Camuflagem;
• Protectores solares.
TRATAMENTO SISTÉMICO
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1. Antibióticos Orais
Os antibióticos orais estão indicados nas formas moderadas a graves de acne inflamatória. Têm início de acção mais rápido que os antibióticos tópicos e são igualmente bem tolerados.
As tetraciclinas são os antibióticos de primeira linha, dadas as suas vantagens combinadas em termos de eficácia, segurança e resistências microbianas.
1.1. Resistência Antibiótica
A antibioterapia na acne tem suscitado questões importantes de saúde pública, decorrentes da emergência de resistências bacterianas associadas à prescrição de antibióticos numa doença tão prevalente. Este problema é agravado pela prescrição prolongada (tópica/sistémica) em doses baixas, abaixo das concentrações inibitórias mínimas.
Devem seguir-se as seguintes linhas gerais para evitar a resistência antibiótica:
• Os antibióticos não devem nunca ser indicados em monoterapia;
• A prescrição oral deve ser limitada no tempo: não mais de seis meses, preferencialmente até 3 meses em terapêutica contínua;
• Recomendam-se períodos de 6 a 8 semanas para a antibioterapia tópica, que deve ser interrompida sempre que não haja progressão na melhoria clínica;
• Nas recidivas não deve voltar a utilizar-se o mesmo antibiótico;
• Nunca se deve associar o mesmo produto por via tópica e oral.
A terapêutica combinada, seja com retinóides tópicos, isotretinoína oral ou peróxido de benzoílo, em função das indicações, deve ser a regra, pois demonstrou-se que previne ou minimiza a emergência de resistências.
2. Terapêutica Hormonal
O tratamento hormonal tem por objectivo reduzir a actividade androgénica a nível da glândula sebácea e do infundíbulo folicular
O efeito antiandrogénico na acne pode obter-se de várias formas:
1. Aumento das proteínas transportadoras de hormonas sexuais – SHBG (Sex Hormone Binding Globulin) através de contraceptivos orais (CO) que combinam estrogénio e progestativo. Este efeito poderá ser potenciado utilizando CO que combinam o estrogénio, habitualmente o etinilestradiol (EE), com um progestativo de 2ª ou 3ª geração, cujo potencial de conversão periférica em androgénios é mínimo.
2. Os fármacos antiandrogénicos bloqueiam os receptores dos androgénios ou inibem a sua conversão em DHT. São o acetato de ciproterona (ACP), o acetato de cloromadinona, o dienogest (derivado da nortestosterona com actividade anti-androgénica), o trimegestone, a espironolactona, a drospirenona (análogo da espironolactona com propriedades antimineralocorticoides e anti-androgénicas), e a flutamida.
3. Retinóides Orais
A isotretinoína é o fármaco que interfere de forma mais completa nos mecanismos fisiopatológicos da acne: reduz a diferenciação sebácea, diminuindo o tamanho da glândula sebácea e a sua capacidade de produzir sebo, normaliza a queratinização folicular reduzindo a formação de novos comedões, diminui a colonização pelo P. acnes, ao modificar o habitat do folículo piloso e tem actividade anti-inflamatória.
A sua principal indicação é a acne nódulo-quistica ou a acne moderada a grave que não responde ou recidiva logo após tratamento tópico e/ou com antibióticos sistémicos. Está também indicada na acne com tendência a evolução cicatricial e quando é grande o rebate psicológico. Não está, no entanto, particularmente indicada na acne puramente retencional.
O benefício clínico pode demorar 2 ou 3 meses a evidenciar-se, em particular na presença de nódulos e de lesões do dorso, mas pode prolongar-se após a conclusão do tratamento. Podem equacionar-se doses diárias mais baixas, pelo melhor perfil de tolerância e eficácia similar, embora com o inconveniente, em particular no sexo feminino, de prolongar o tempo de tratamento. A necessidade de 2º ou 3º tratamento é inferior a 20%, mas pode ocorrer, sobretudo quando a isotretinoína é utilizada em idades muito jovens, em mulheres após os 25 anos ou em doses baixas.
Os efeitos secundários são frequentes mas de fácil controlo, desde que tomadas as devidas precauções: queilite, secura ocular com intolerância a lentes de contacto, secura da pele e aumento da sensibilidade ao sol. Poderá ocorrer hiperlipidémia pelo que é aconselhável a determinação dos triglicerídeos, colesterol total e das HDL séricos em jejum, bem como estudos da função hepática e hemograma com plaquetas, antes do início e às 4 a 6 semanas de terapêutica.
O principal efeito adverso da isotretinoína resulta do seu elevado potencial teratogénico durante o tratamento e nas 6 semanas após a sua conclusão, pelo que na mulher este tratamento deve ser associado a uma contracepção eficaz, devendo ser dada informação por escrito à paciente e/ou seu representante legal.
TRATAMENTO CIRÚRGICO
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No tratamento da acne há a considerar o tratamento da acne activa e o tratamento das sequelas da acne - cicatrizes da acne.
Existem vários métodos terapêuticos, mais ou menos agressivos, uns mais utilizados, outros de maior dificuldade técnica, que devem ser adequados a cada caso, avaliando bem a expectativa do doente, que nem sempre coincide com a do médico.
É também necessário observar com detalhe e classificar as cicatrizes, p. ex: as chamadas em “picador de gelo” são muito difíceis de; de uma forma geral aquelas que quase desaparecem com a nossa pressão manual serão as que melhor respondem ao tratamento.
Pode ser necessário encadear, em sucessão, mais que uma técnica ou repetindo a mesma com intervalos, em geral de 6 semanas, para obter um bom resultado final; processo que pode ser prolongado no tempo (1 ano ou mais), sendo necessário prevenir o doente.
Entre as técnicas mais simples usamos a chamada “sub-cision” em que se introduz uma agulha cortante sob a cicatriz com o intuito de a “soltar” do seu leito, elevando-a. Também se pode fazer, no mesmo acto, preenchimento com um “filler” adequado, procurando uma muito ligeira sobrecorrecção.
Os peelings químicos são talvez mais úteis no tratamento da acne activa e nos tratamentos de manutenção do que no tratamento das sequelas em que o seu efeito é muito moderado. Usam-se com frequência maior os peelings superficiais que não implicam “baixa” para o doente. O toque com ácido tricloroacético a 100% no fundo das cicatrizes em “ice-peak” é um excelente tratamento, embora necessite de repetições e exija uma técnica perfeita sob pena de provocar desastres de difícil reparação.
CONCLUSÕES
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No que diz respeito à classificação da acne, definiu-se um tipo de classificação baseado na manifestação clínica predominante e sua gravidade. Estabeleceram-se três tipos de acne: comedónica: ligeira/moderada ou extensa-macrocomedónica; papulo-pustulosa: ligeira ou moderada/grave; e nodulo-quística: ligeira/moderada ou grave. Para cada apresentação clínica foi então obtido um consenso sobre o tipo de tratamento.
O tratamento tópico é a 1ª escolha para as formas não inflamatórias de acne e para a inflamatória ligeira. Pela sua acção multi-factorial, os retinóides tópicos estão indicados em todas as apresentações clínicas, com a excepção das formas que justifiquem a prescrição de isotretinoína oral. São também a base do tratamento de manutenção. É atribuído ao peróxido de benzoílo papel predominante na terapêutica antimicrobiana, na tentativa de minimizar a resistência bacteriana associada aos antibióticos tópicos
No sexo feminino, a terapêutica hormonal pode ter indicação e um papel importante.
A isotretinoína, inicialmente reservada às formas mais graves de acne inflamatória, tem visto a sua indicação ser alargada a acnes comedónicas extensas ou macrocomedónicas, cujo tratamento tópico/cirúrgico é por vezes difícil.
Finalmente, não se tratam doenças mas doentes, pelo que a abordagem terapêutica dos nossos pacientes não se esgota na acne activa. Há que poder compreender o significado da doença para o doente e oferecer ou orientar a correcção das sequelas da acne.