Desparasitar? Não, obrigada.

 Este é um tema recorrente nas consultas de Saúde Infantil. E é muitas vezes uma ideia difícil de “desmontar” na cabeça dos pais e cuidadores. Até na cabeças de muitos médicos…

Tradicionalmente, fazia-se a desparasitação intestinal das crianças “religiosamente” pelo menos uma vez por ano – eu própria as fiz durante alguns anos e tenho bem presente na memória a toma do dito comprimido por cada um de nós lá em casa.

Mas os motivos que levavam os médicos ter esta atitude no passado eram claros – Portugal era um país com um elevado número de casos de parasitas intestinais na população. Isto fazia com que fosse mais custo-efetivo simplesmente fazer a desparasitação do que testar e diagnosticar cada criança e tratar apenas os infectados. E isto justificava-se porque as parasitoses têm efeitos sobre a saúde das crianças – a perda de peso, a diarreia, a perda de apetite e a anemia são as mais fáceis de salientar. Mas isto era válido, repito, porque era um problema muito frequente. A parasitose intestinal era na realidade um problema de saúde pública no nosso país.

Felizmente, hoje não é o caso. O desenvolvimento económico e social, que permitiu a implementação de medidas higieno-sanitárias como o saneamento básico (com consequente desuso das tradicionais fossas sépticas) e a água canalizada, a educação social em relação à importância da higiene pessoal com o uso de sabão, o hábito de lavar as mãos e até a higiene dos animais de estimação, veio mudar o nosso paradigma; assim, a prevalência hoje em dia das parasitoses intestinais em Portugal é muito diferente da que tínhamos há umas décadas atrás. Hoje somos, felizmente, um país de baixa incidência (número de novos casos de doença) e de baixa prevalência (número de casos de doença). Isto faz com que já não seja custo-efetivo fazer a desparasitação por rotina nas nossas crianças, até porque estes fármacos não são isentos de efeitos laterias, muito pelo contrário. Assim, as orientações atuais para países como o nosso, com prevalência <20%, são de desparasitação seletiva – apenas se desparasita após confirmação da infecção ou se, após a realização dos testes e de estes serem negativos, se a suspeita clínica se mantiver elevada, considerando sempre os sinais e sintomas que a criança apresenta. São vários os estudos a referirem que por rotina não devemos desparasitar os nossos pequenos; inclusivamente, a Sociedade Portuguesa de Pediatria tem artigos publicados nesse sentido, e própria Organização Mundial da Saúde diz taxativamente que nos países com prevalência inferior a 20% não se deve fazer a desparasitação intestinal por rotina, ao contrário dos países onde esta infecção é endémica dadas as condições socioeconómicas e culturais, como o caso da África Subsariana, da Ásia ou da América Latina.

Por isso, quando tenho pais (quer na consulta quer amigos pessoais) que me falam deste assunto, sou bastante perentória a não recomendar esta medida. E mesmo que a criança tenha um animal de estimação, não é preciso desparasitar a criança – o animal sim, mas a criança não. E confesso que é uma tarefa difícil, porque mesmo no meio médico ainda são alguns os colegas pediatras e médicos de família que continuam a recomendar esta prática.

A única exceção que faço, às vezes, é nos casos onde a criança e a família habitam numa zona mais rural, sem saneamento básico e/ou água canalizada (recorrendo obrigatoriamente quer a fossa séptica quer a água do poço), e fazem criação de animais no mesmo terreno – há portanto um contacto muito próximo com os animais, que torna o risco de contaminação mais elevado, sendo mais discutível a vantagem em desparasitar por rotina aquela criança; mas ainda assim, muitas vezes faço apenas o que me compete – uma história clínica detalhada, com identificação de sinais e sintomas suspeitos; se eles não existirem, se a criança cresce bem e evolui como é suposto, então opto por apenas vigiar… se há algo suspeito, então investigo e peço exames para confirmar. E faço isto porque a desparasitação com um fármaco “às cegas” não nos garante muito… o medicamento não atua em todos os parasitas e “amanhã” ela pode ser reinfectada. Sem dúvida que o tratamento seletivo é o mais correto. Por isso, nunca desparasitei os meus filhos e, se não o faço aos meus, não o posso recomendar ou fazer aos vossos. 

Até breve,

Brenda Domingues, Mãe de dois Príncipes e Médica de Família

* Artigo de opinão de outubro de 2015 publicado no Blog - The Cute Mommy

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